Nos dias 9, 10 e 11 de dezembro de 2024, o Brasil testemunhou um evento histórico: o I Encontro Nacional de Mulheres em Situação de Rua e Suas Diversidades. Organizado pela Comissão de Mulheres, Gênero e Raça do CIAMP RUA Nacional, o encontro proporcionou um espaço de acolhimento, diálogo e resistência para mulheres em situação de rua de diversas realidades. Com uma pauta ampla e essencial, o evento discutiu temas como moradia, dignidade menstrual, maternidade, saúde, violência, racismo institucional e a inclusão das mulheres trans. Foram três dias de troca e construção de propostas para políticas públicas mais inclusivas e representativas.
Grupo de Trabalho de Moradia: Propostas para Habitação Digna
No eixo de moradia, o grupo de trabalho liderado por Edineia, de Curitiba, apresentou propostas que visam garantir moradias dignas e definitivas para mulheres em situação de rua. O grupo defendeu a implementação de políticas públicas que ultrapassem a mera criação de projetos, com foco na fiscalização do
repasse de recursos e na inclusão das próprias mulheres nas decisões sobre as políticas habitacionais. Entre as propostas destacadas estão a desburocratização de ocupações, a implementação de infraestruturas comunitárias e o fortalecimento de programas como o Minha Casa, Minha Vida, com a garantia de documentação e acompanhamento psicossocial.
Grupo de Trabalho de Saúde e Maternidade: Desafios e Direitos Reprodutivos
A saúde e a maternidade foram pautas centrais. Laura Dias, de São Paulo, relatou a dificuldade de acessar serviços de saúde durante a gravidez por medo de ter seu filho retirado pelo Estado, uma realidade enfrentada por muitas mulheres em situação de rua. O grupo propôs a criação de cursos de doulas para essas mulheres, bem como um acompanhamento multiprofissional que reconheça o direito à maternidade, mesmo em condições de vulnerabilidade extrema. As mulheres discutiram a criação de um sistema de proteção para que possam exercer a maternidade sem o risco de perder a guarda de seus filhos.
Grupo de Trabalho de Violência e Sistema de Justiça: Enfrentando o Ciclo de Abusos
Outro tema de destaque foi a violência e o sistema de justiça. O grupo responsável por essas discussões propôs a criação de frentes de trabalho para garantir a autonomia financeira das mulheres em situação de rua, além de mais equipamentos de acolhimento e cursos que trabalhem a autoestima dessas mulheres. A violência doméstica e o racismo institucional foram amplamente discutidos. O grupo também defendeu a implementação de políticas para criar moradias emergenciais para mulheres egressas do sistema prisional, além da formação de agentes públicos para lidar com as questões de violência de gênero e racial.
Grupo de Trabalho de Mulheridade Trans: Voz e Inclusão no Debate Público
A mulheridade trans, um dos grupos mais vulneráveis, também encontrou espaço para ser ouvida. Bianca Mel, uma mulher trans preta e com deficiência auditiva, compartilhou suas experiências de exclusão e transfobia, ressaltando a
dificuldade de acesso a políticas públicas. O grupo defendeu a criação de oficinas de sexualidade e gênero, além de formação específica para policiais e agentes públicos. A inclusão e a necessidade de políticas públicas direcionadas à população trans foram destacadas como uma das pautas mais urgentes e sensíveis do encontro, buscando garantir um olhar mais inclusivo e acolhedor para essas mulheres.
Grupo de Trabalho de Educação, Renda e Cultura: Geração de Oportunidades
A geração de renda e o acesso à educação e à cultura também foram discutidos no evento. O grupo responsável por esse eixo destacou a importância de valorizar o artesanato, a dança, a poesia e outras expressões culturais produzidas pela população em situação de rua. A reciclagem, por exemplo, foi defendida como uma forma de arte e meio de subsistência para muitas dessas mulheres. Além disso, foram propostas capacitações para trancistas e artistas de rua, visando à geração de renda e à inclusão dessas mulheres no mercado de trabalho. O grupo destacou ainda a necessidade de políticas culturais que incluam e estimulem a participação dessas mulheres.
A Importância do Evento: Fala de Joana Bazílio, Coordenadora Nacional da CIAMP RUA
A coordenadora nacional da CIAMP RUA, Joana Basílio, enfatizou a importância histórica do evento: “Esse encontro é um marco na luta das mulheres em situação de rua no Brasil. Estamos aqui para construir juntas um futuro mais digno, onde nossas vozes sejam ouvidas e respeitadas. Não se trata apenas de sobrevivência, mas de garantir que essas mulheres tenham espaço e visibilidade nas decisões que afetam suas vidas”. Joana ainda reforçou o papel fundamental da união dessas mulheres na luta por políticas públicas que realmente atendam às suas necessidades.
Compromisso com as Políticas Públicas: Fala de Symmy Larrat, Secretaria Nacional dos Direitos da População LGBTQIAP+
Symmy Larrat, ressaltou o compromisso do governo federal em promover políticas públicas que garantam os direitos das mulheres em situação de rua. “Estamos aqui para escutar, entender e agir. Nosso papel é garantir que essas demandas se transformem em ações concretas, que saiam do papel e se tornem políticas efetivas. Esse encontro é um passo fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, e nós, enquanto governo, temos o compromisso de fazer essas mudanças acontecerem”, declarou.
Políticas Públicas Inclusivas: Um Chamado à Ação
A fala da ministra de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, marcou o evento. Ela reforçou a urgência de políticas públicas que protejam e promovam os direitos das mulheres em situação de rua. Em sua fala, destacou a necessidade de ações intersetoriais e o fortalecimento do monitoramento das políticas públicas. Evaristo ainda ressaltou que muitas das violências sofridas por essas mulheres ocorrem antes mesmo de chegarem às ruas, resultado de um ciclo de vulnerabilidade social que precisa ser interrompido.
O I Encontro Nacional de Mulheres em Situação de Rua e Suas Diversidades foi um marco na luta pela inclusão e pela construção de um Brasil mais justo e igualitário. As propostas apresentadas pelos grupos de trabalho serão levadas para discussão e implementação nos próximos meses, e a expectativa é que elas resultem em políticas públicas que realmente atendam às demandas dessas mulheres, garantindo-lhes dignidade, proteção e oportunidades reais de transformação.
